sexta-feira, março 21, 2008

Sofrimento do coração

Não me recordo a morfologia da palavra "misericórdia". Na realidade não me empenhei em gastar alguns minutos na internet para encontrar uma fonte segura com essa definição. O que posso dizer a esse respeito é o que o som das sílabas me lembram. "Miseri" lembra-me muito "miséria", que me lembra "sofrimento". "Córdia" me lembra "cardíaco", que remete a "coração". Portanto, nesta humilde licença poética que peço, "Misericórdia" se torna "Sofrimento do coração".

Podemos ser atingidos por diversas dores e sofrimentos que arrasam nosso corpo e mente, mas nenhum deles é tão devastador quanto os que atacam nossos sentimentos. Um professor meu uma vez nos disse em aula que a linguagem mais importante que podemos falar é a emocional. Sem ela, não adianta possuirmos todo o conhecimento do mundo. É ela que prevalece numa explicação ou apresentação.

Todos nós sabemos qual a função biológica do coração, ou seja, sabemos que esse órgão não pensa. No entanto, assumimos que quando tratamos de sentimentos e emoções, o local que eles se originam não é o cérebro, mas sim o coração. Isso facilita visualizar as diferenças entre racionalidade e sentimentalidade. A primeira mostra o que conhecemos, a segunda mostra o que aquilo que conhecemos representa para nós. Nosso conhecimento nos diz que 1 + 1 = 2 e nosso sentimento nos diz que por essa soma ser verdadeira, podemos estar tranqüilos em afirmá-la e utilizá-la a nosso proveito. Por possuir esse âmbito mais pessoal, o coração metafórico passa a ser um órgão primordial para nossa sobrevivência, assim tudo o que o atinge, nos fere substancialmente.

Ninguém melhor do que nós mesmos para saber o que representa um "coração ferido", o que significa ter o "coração partido". Sabemos que essas situações nos incomodam MUITO e que se pudéssemos, nunca passaríamos por elas. Fica mais fácil, portanto, compreender porque uma pessoa sofre tanto ao ser abandonado pelo parceiro se em algum momento nós também passamos por uma situação parecida. A dor do próximo passa a ser a nossa dor pois já a sentimos de alguma forma. Essa compreensão é o início da compaixão. O que passa a nos diferenciar são as atitudes que tomamos ao sentir essa dor. Não temos dúvidas que somos diferentes uns dos outros, que possuímos bagagens de experiências diferentes umas das outras e que são justamente essas bagagens que vão nos influenciar as atitudes. É por isso que pessoas diferentes reagem de formas diferentes diante das mesmas situações dolorosas.

Se por um momento esquecermos o motivo da dor. Se focarmos apenas na dor e no sofrimento do coração em si, temos subsídios suficientes para saber que aquilo incomoda MUITO e que por esse incômodo, as pessoas podem tomar atitudes drásticas ou até inconseqüentes, atingindo outras pessoas de forma prejudicial mesmo sem saber, em resposta àquela dor, para se defenderem do sofrimento, tudo baseado nas bagagens que elas acumularam em suas experiências de vida.

Compreendemos o sofrimento do coração e vimos as conseqüências desastrosas que podemos causar com nossas atitudes de resposta à dor. Gostaríamos que fôssemos perdoados por termos tomado essas atitudes. Compaixão pela nossa dor e perdão pelas nossas faltas causadas por essa dor. Não é importante o motivo do sofrimento nem as conseqüências que ele pode gerar. Sabemos como é ruim ter o coração partido e que podemos perder o controle por isso. Sentir a dor do próximo, compreendê-lo e perdoá-lo, isso é misericórdia.

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